terça-feira, 8 de setembro de 2009

Manhã líquida

O céu amanheceu líquido
café preto e conhaque
da sacada vê-se a enxorada
entre uma tragada e outra de cachimbo
Aposto qual saco de lixo descerá a Augusta primeiro,
O saco preto para no meio da rua,
o branco desce,
o preto estoura,
ficam apenas,
na via,
o resto do que não foi digerido

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Não o acordem! Ele é tão infeliz quando...


Era uma orelha grande, bem grande, verde limão, deitada tranquilamente na calçada, em uma tarde extremamente quente, ar seco, o sentimento de algo enroscado na garganta, sobre a calçada (Rua Alagoas e Sabará) a grande orelha, em seu interior algo se mexia, também grande e peludo, com a pele coberta de sujeiras. Parei a bicicleta e contemplei a cena: o sol de inverno furando entre as poucas folhas das árvores e desenhando na calçada pequenas abstrações de luz, em meio às abstrações uma enorme orelha verde limão, tão real e natural que penso que Magritte passou por aqui, suas nuvens de pedra flutuando no céu, as maças tão grande quanto o desejo de pecar. Penso em correr à farmácia mais próxima e comprar cotonetes imensos para livrar a orelha do intruso. "Não o acordem, não lhe preguem peças, Ele é tão infeliz quando não está dormindo", a orelha foi se metamorfoseando em cadeira de balanço, depois em caracol e por fim em útero. Ele no interior da orelha alheio a tudo e a todos, balançando docemente com braços e pernas contraídas contra o corpo, em posição fetal. Virando a orelha, serviria como casco-casa, mas a sua finalidade lúdica era criar um simulacro do útero, deixar o Ser e voltar ao Não-Ser. "ao lado da sua cabeça, há duas penas. Se eles as viu antes de adormecer talvez sonhe que é um pássaro e que voa...", isso é Prévert e seu burro, é outra história, talvez ele sonhe que ouve Satie e ouvindo Satie sonhe que é um mendigo e que dorme dentro de um orelhão caído na calçada numa tarde de inverno com sol e folhas secas na calçada, sem documentos, sem contas a pagar, nada a receber, sem casa, sem familia, sem nome, tão isento de laços como no seu primeiro dia de natimorto.


Tela: Libertação - HD Expressionista

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Onde andarás , Sol?

Sol
há semanas que telefono e ninguém atende, o céu está vazio? imaginei que tivesse acontecido algo, saiba que quando precisar o meu céu estará sempre ao teu inteiro dispor, eu pedi alforria há 2 semanas ou contra proposta de não está na cela aos sábados e domingos, afinal não vou ficar rico e tão pouco guardar dinheiro para comprar uma galáxia, um buraco negro, com o que ganho, Desejo ter os fins de semana "livres", Só obedecer a lei da física, da gravidade. Espero notícias sua.
Evoé....
Oi amigo...depois de um curto tempo sendo urso, estou quase a voltar pra esta porcaria de vida....quero poucos...te amo. Perdi o emprego o empenho...a casa..o Céu...o ar e os sentidos...há algum tempo...bien, fugi pro meio do nada...para o outro lado do buraco negro, ando por aqui, em uma galáxia chamada Satieando...nada, rien de rien...apesar da locura, tenho um pouco de amor que ainda me lembro...vc...riso doído e doido... sarcarmo... me entendes, sei... quando der, escreves... te quero, beijos.
Sol
Sol, onde andas... andas bem?...acaso suas (nossas) partes estão espalhadas... só não sabemos onde? Confesso que já deixei de sentir a muito tempo, às vezes até ensaio algum sentimento, não duram muito, chegam a parecer uma dissimulação de sentimento, até o desejo é dissimulado... desejo de vida, de Céu, também... um eterno devir, um devir de dignidade, um devir de desejos, um de realização, um de amor, um de amigos. Sim, desejo ser “Deus”, mas no sentido de Ser-Criador, completo, não baniria Sol, Luas ou qualquer outro planeta ou estrela. E esse desejo do outro como se não nos bastássemos? Ce la vie! Quanto a moçoila mencionada, uma pessoa ímpar, atriz ou aspirante ou sempre foi e é ou está sendo atriz, confesso que lê muito bem... embala minhas tarde deitado na rede, abraçado ao seu corpo – magérrimo – às vezes me pego pensando em como posso achar atraente e sensual aquele corpo tão esguio, o todo é que a torna sensual. Ela lê, eu abraço seu corpo, chego a sentir seus ossos em meus dedos, desejo de apertá-la até sentir seus ossos estalarem... às vezes, quando ela lê, ouço a sua voz, seu calor de Sol, saindo dos lábios dela. Chego a acreditar que é você quem lê para mim, Sinto seu doce calor de fim de tarde. Outras vezes ela é a nossa antiga Estrela – perfeita – irônica, mas com um desbunde interessante, outras vezes ela me parece uma outra Estrela ou seria uma Nebulosa serelepe, fala muito, divaga, teria necessidade de tentar chocar, “coisas de artistas”. Confesso que o fato de desejá-la me tira dos eixos, olha que nunca tive eixos fixos, sendo assim fica pior ou não. Desejo o que brilha, Não quero a Lua que brilha com luz emprestada, por falar em lua está noite ela estava tão cheia que pensei que fosse estourar. Continuo adorando Plutão, rebaixado a categoria de pedra boiando no Universo.
Estou em casa ouvindo Wish you were, pensando em você, conversando com você: Vamos - agora - tomar um café no cinema da Augusta, você me conta uma novidade... diz que foi à Lua e comprou uma casa lá, eu penso em como deve ser bonita a superfície estério da lua, então saímos correndo do cinema para comprar algodão doce, dou a você balões de gás de cores diversas, atravessamos a Paulista de ponta a ponta plantando bananeira, rindo de tudo.
Sol, te amo à minha maneira, é a única que conheço. Mais sincera.

Evoé...
Sol
Não deu mais sinal de fumaça, como está? Aqui estou em "alforria" breve, lendo, bebendo, fumando e passeando, pedalando pela cidade, do festival de curta te recomendo: Dança macabra, O filme mais vilento do mundo, Shkhizen, Bigband...entre tudo isso estou eu... tentando seduzir e ser seduzido por uma interessante Fagulha que ousa ser, fazer-se Estrela, vejamos no que dá...se dá...mas conte-me de ti.
Um beijo no Céu da boca.....o Sol anda ausente há dias.....quando volta?

Evoé...
Sol
Como assim, alforria... bien, sei que encontrarás uma linda centelha pra ti...sabes bem enxergar Estrelas quando brotam, és lindo. Não sei ainda quando volto, vou dar uma volta... uma rotação, uma translação... ando tão cheia de dores na alma, meu amor... tantos medos e terrores da vida... só sei que gosto de algumas pessoas ainda e amo você... de verdade... me conte mais, sempre mais... não me deixes... ainda. Te amo, meu lindo Exu.

Teu Sol
Ai como é bom saber de você meu amor. Ontem sonhei contigo....eu amo você, de verdade, sabes disso que sei. Estou a me recuperar, meu amor, decidindo algumas coisas da vida, pra ver se ainda vale a pena qualquer tentativa de sedução pra um Sol devasso... quero saber de você, me diga já, obteve resposta do cárcere? Ficarás fora dos grilhões nos fins de séculos ou será rua mesmo... me conte por favor. Saiba que és amado por mim, a minha maneira, mas és e muito, beijo meu lindo Exu.


Fotografia: Adriano Vanni

http://www.flickr.com/photos/apinheiro/3800284315/