domingo, 5 de dezembro de 2010

Da primavera que nem veio ou Borboleta azul


Mandame Butterfly regava a amoreira repleta de lagartas multicores e dizia: veja, que belas borboletas. não vi borboletas, me vi com frasco de polietileno de álcool e fósforo à mão, belas borboletas metafísicas com asas de fogo pairaram no céu violáceo. Vi Jan Saudek fotografando os corpos surrados da Augusta, no olhar a essência da angustia: Névoanada! Lautreamont saí da passagem subterrânea da Roosevelt com seus novos manuscritos na mão, cenas da mais pura poesia e essência humana: a criança branca devorada por ratos cinzas no ralo  sujo da história, os sacis sem cérebros que vagam cidade a fora, hienas urbanas promovendo arrastão em pró das pedras. praça quatorze bis, berço braço de sonhos naufragados, os gêmeos eternamente rescenascidos para o nada e sempre, tão magros que mortos pareciam vivos, por três semanas à luz tênue da noite sua mãe as ninou. Ouço marcelo ariel e joe lendo tratado dos anjos afogados. ouço a lagarta comendo as folhas da amoreira, olho; como é feia. Ela nem liga e segue sendo lagarta em folha de amoreira até deixar de ser e ser outra coisa como borboleta. Voa, vai! assim sai as cores da asa da borboleta, em pleno vôo como uma explosão. Madame Butterfly sorri e voa...

Foto: Intima visão de um corpo surrado
João Pirahy & Flávia Spinardi

domingo, 22 de agosto de 2010

Nós ou abismo




“Vão! Partam! Disse os pássaros:
0 gênero humano não suporta tanto a realidade”
                                 T. S. Eliot
Nós... ou Abismo
                                                                                                     

Ela é indefinida. Indefinida ou indefinível? Digo indefinível. É isso, talvez ela só goste das pessoas, ame a essência; independente do sexo. A essência? Sim, a essência. Mas nossa essência é a água. Como água? Somos 70% água, o diluidor universal, nos diluímos no mesmo líquido. Quando morremos, secamos. Não! Digo que ela ama o âmago, não a matéria. A essência da matéria humana é a mesma, é instável, seca no fim. Muitos já secaram em vida. Ah, então somos um poço e ela busca o que está além da superfície, ela anseia pelo fundo do poço? É, pelo fundo, muito além da superfície, aquém da borda. Há copo que simula ser poço, e ela? Ela deseja alçar ao fundo do poço? Talvez... ou uma descida suave até lá. Mas e o fundo, o escuro... ela ousa olhar? Não! E por que ir até lá, ao fundo? O fundo não se olha! Sente-se... Ah, quer dizer que o fundo pode está na borda? É, a borda e o fundo na verdade não importam, o importante é sentir. Por que está história de superfície e fundo? É que o fundo pode ser mais vazio que a superfície, ela vendo o fundo pode crer que está na borda, mas nem sempre há fundo. Há poço que é poça seca! E ela? Ela segue à procura do fundo, talvez só tema o abismo. E o que há lá de tão temerário? Só se sabe indo. Como se chega lá? Indo...caminhando...se perdendo e se achando na fissura. Quantos de lá retornaram? De lá...não se volta! É por isso que ela teme o abismo? Não, não se volta como foi, o outro fica. Volta-se outro. Ah, então é a mudança que causa medo? É o novo...o velho insiste em não morrer. Vamos? Para onde? Ao abismo. Juntos? Não, cada um para o seu.


Foto:Marcelo de souza
foto.filme@hotmail.com

sábado, 3 de abril de 2010

Dentro da noite veloz ou o nada elevado a categoria de diálogo


A multidão, dentro da noite veloz, desce a Augusta, como câncer crescem os buracos da calçada, até calçada e buraco tornarem se uma coisa só. Vejo o vulto de Caio Fernando Abreu pulando amarelinha com Cortázar ou pulando os buracos, Baco bebado trança as pernas, desaparece na escuridão, o umbral dos loucos não para nunca. Vejo Andy Warhol, o horror da superficilidade de sua obra elevada ao que não é: obra. Elevemos, daqui por diante, o Nada a categoria de diálogo, confissões publicas sussurradas das bocas de lobos, em tom de segredo, num canto escuro da esquina do mundo, em decubito dorsal entre sacos pretos de lixo, a pele branca o cabelo branco o saco preto do qual sai sua cabeça de mulher, com um caqui rubro esmagado entre as mãos brancas, a boca lambuzada de caqui, comia como um dócil bicho, o bom engraxate e a caixa dos milagres da qual brota de tudo, o semáforo... suas luzes decorativa despresadas por grupos de skatistas noite adentro, Augusta abaixo, um skatista sobre o skate, arrastando uma mala com rodinhas, Augusta adentro, Dali adoraria a cena. Salvador como é acrescentaria à cena semáforo e os postes postos nas entranhas.

Foto: Roberto Assem
www.robertoassem.com.br

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Nestes dias em que é tudo névoa-nada


Nestes dias em que é tudo névoa-nada e o tempo passa o tempo todo as pessoas que passam pelo tempo o tempo todo as tempestades de todos os fins de tarde a água dilui o dia embaça a tarde lava a noite os que vagam noite adentro dia a fora pulando os buracos da calçada a imagem refletida na poça d`água de uma ficção coletiva ou não mas ficção o eterno devir à deriva este umbral dos loucos Augusta abaixo criaturas abaixo das bestas  as ninfas se depilando de janela aberta junks putas boêmios os cacos de garrafas nas calçadas o pó que água nenhuma leva os sacos de lixo violados aos milhares Baco logo ali com seu séquito agora vejo um colchão de casal descendo na enxorada a mulher de cabelo de alface sorri com a cena penso em Artaud dormindo sobre este colchão descendo com o lixo na enxorada sonhando com o teatro da crueldade






Foto: Carla Bispo

sábado, 2 de janeiro de 2010

batacada

"contribuição poética e voluntária de Carla Bispo"

e portanto
é preciso sambar...
fazer samba é viver
e não sofrer...


batacada...cada um cada um. 

araci de almeida

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Lá fora, vendo a chuva que caí lá fora


O tempo passa o tempo todo, vendo as nuvens negras cobrindo o céu, cedo à tentação de ver a chuva cair lá fora: a tempestade que desaba sobre o lago tornando sua água mais líquida, sobre o lago vê-se a ponte, sobre a ponte sobre o lago vê-se pessoas correndo sob a chuva, de bicicletas, refletidas no lago, sob a chuva sobre a ponte sobre o lago pessoas sobre bicicletas passam, vagarosamente. O lago sob o céu refleta a chuva e o que passa sobre ele. Sob a chuva lá vem o mestre-sala das águas, com um sorriso de orelha a orelha, com seus raros dentes de marfim, sua boca quase banguela, sua pele negra, anda como quem samba, vive como quem se equilibra na corda-bamba, bom de papo e ruim de grana. De pronto cede o isqueiro para por fogo em meu cachimbo, entre fumaça e chuva o vejo partir, lá se vai com sua ginga de bom malandro, andando como mestre-sala, sambando nas poças d´água. Eu permaneço onde estou: Lá fora, vendo a chuva que caí lá fora! olho a programação do Planetário, penso em Plutão rebaixado a planeta anão ou pedra boiando no espaço, os analistas contando dinheiro, fruto da crise dos que perderam o ascendente... quem perde, busca! mesmo que seja no espaço infinito, uma motivação para se tornar estrela, ver claramente o norte, mas estrela é coisa do firmamento, nós vivemos cá embaixo, com lagos sob ponte e pessoas correndo sob a chuva sobre a ponte. Quem está sobre a ponte e olha para o lago vê: ela mesma , agora parada, refletida no lago sob a chuva, sobre a ponte, sobre o lago... e o tempo passa o tempo todo. Só está chuva insiste em não passar.


Foto: HD Expressionista