segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Augusta em transe em transito


Dias líquidos, 06h40, segunda-feira, caí a primeira chuva da semana. Chuva? não, o que caí é um dilúvio, Poseidon lambe a Augusta, o pó dos que cairam é levado rua abaixo. O ritmo dodecafônico dos pingos que pingam pungentes em meu corpo, ouvido adentro. Café com conheque, cachimbo entre dentes. Enquanto caí a chuva, da sacada, sorvo gole a gole da xicara, entre um trago e outro e, em meio a fumaça, assisto as águas levando Augusta abaixo todos os sacos de lixo da calçada, desde a Paulista rumo à Roosevelt, a rua transforma-se em um rio de correntezas plásticas, sacos multicores trasnformam o asfalto em arco-íris, opondo-se ao negro do céu. Alguém desce do ônibos, em um dia líquido, lá se vai o guardachuva, destroído pelo vento, água até as canelas, correndo loucamente sob a chuva, certamente para a senzala diária. Horas depois, tarde de ar úmido, lá vou eu e Thaís na escadaria da Avanhandavá acima, eis que descem rolando, um sobre o outro, duas bolas de pêlo cinza-esgoto, mordendo uma à outra, emitindo sons sinistros, 200 lances ou mais de escada abaixo vão as ratazanas, mordendo uma à outra. Abstinência de crak, aos guinchos correm rumo a Paim. Abre-se uma nuvém vermelha e três ninfas nuas preparam-se para a rua, faz-se o cabelo e só vejo pernas, bundas, mamilos, seios, coxas caxos, a bandeja - da mais falsa prata - dança de mão em mão, foram-se s nuvéns brancas, ninfas nuas dançam esperando a madrugada. Mesmo não sendo parlapatão, desvendo a Roosevelt com luneta ao contrário, via a família brasil reunida sobre uma porção farta de restos, quando sentem-se em perigo correm às dezenas para a sarjeta, são tantos em cima de tantos, jogam-lhe gasolina, risca-se um bastão cilindrico, cimétrico, de cor madeira, em uma de suas duas pontas há uma superfície arredondada de cor rubra, fricciona-se está superfície sobre a lateral da caixa e jaz... Fez-se o fogo, lançou-se o bastão ao ar, rumo ao boeiro. Sob a praça escura pequenas estrelas até parece que flutuam velozes em todas as direções, tentando se livrar do corpo em chamas. Em poucos segundos  tudo volta a ser treva. Mugem por trás das colunas: não sobrará pedra sobre pedra, miro o túnel que perfura a praça, sobre o túnel há dois pavimentos de estacionamento, sobre o estacionamento há a parte térrea da praça e encima desta há a praça - tudo do mais puro concreto deteriorado. Do escuro-escuro grasna Garrastazu, a montanha de fezes quase a obstruir a entrada do túnel. Oh, pínico dos desvalidos. Que venha novamente dias líquidos e lave tudo, leve tudo. Leve... muito leve. No mesmo espaço, mas em outro tempo, noite de calor seco, das sacadas e janelas pululam os viventes, em frente vê-se, janela adentro, 3 belas, brancas e puras meninas da noite, nas em pêlos, poucos pêlos, o vento do ventilador entra coxas adentro refrescando seu sexo. A direita, na sacada, um violoncelo e partituras, sa dona, e que dona, alta e de carnas fartas, somente de calcinha vermelha e sutiã, tranquilamente sentada, absorta do calor ou possuída por ele. Vejo Baco na esquina pagando uma puta, ébrio de vinho e de vida.


Continua...
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Foto: Carla Bispo