quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Somente a arte esculpindo a humana mágoa

nestas tardes de ar líquido, de primavera sem flores, não há passarinhos trepados trepando nos fios, tão pouco cachorros grudados nas esquinas, nem gatas no cio miando noite adentro. Só há esta primavera de flores no mercado. Cinco meninas entre 15 e 18 anos se agaram na esquina, bacantes Augusta abaixo. Não fosse tanto desejo ser uma farsa... os seios apertados, mordidos e chupado, por tantas, não mostra nenhuma excitação, seus mamilos continuam inertes, no rosto das cinco apenas um vazio vazado no qual se vê uma encenação de um roteiro desprovido de verdades e desejos. Sonhei que Baco desceu Augusta abaixo inflamando o tesão, exaltando o desejo! Eu vi Roberto Piva no parque Buenos Aires conversando com Borges em árabe, Piva fecha os olhos para vê como Borges vê... e tudo é névoa-nada, fome-e-vento. Cemitério da Consolação, o tumulo da tfp sempre florido, sonho que a escultura de Brecheret, mulheres de gestos suaves e um Cristo de corpo esguio, dança no mausoléu do Matarazzo, a Marquesa de Santos lasciva se insinua aos passantes. Oswald, Mário e Monteiro Lobato unidos pela noumenalidade do NÃO SER! Vejo Joe com a mulher de cabelos de alface, ela; um olho tapado, um ouvido tapado, sussura ao acaso: às vezes sou eu, às vezes sou outras tantas.

Evoé...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Uma marina Augusta acima








Subindo a Augusta tentando me livrar dos buracos da calçada, penso em Visconti ao ver Marina tentando esconder-se em si mesma. Quem acredita que marina é um local seguro para atracar seu barco, após noites e noites em alto mar, comete um ledo engano! Pois ainda não conheceram Marina. Bela, branca, baixa. Impossível não notá-la. Sentados à mesa de um café, Marina com olhar fugidio pede café com gestos harmônicos, entre um gole e outro imagino Tadzio em uma praia em Veneza, correndo na areia com seu corpo seminu, sua pele alva, o calor do sol penetrando em seus poros, o suor brotando da pele e correndo pelo corpo. É noite! Não há sol, a praia mais próxima fica a mais de 100km. Marina acende um cigarro, o farol dos carros não guia barco algum, mas ilumina o rosto de Marina a cada instante mais belo, seus lábios vermelhos, finos e pequenos encerram dentes simetricamente perfeitos e brancos, sua língua insiste em brincar fora da boca, acaba presa entre os dentes. Quais palavras iam ser pronunciadas pela língua de Marina? O que seus dentes a impedia de dizer? Com seu All Star preto, pés pequenos, sua calça de veludo vermelho, blusa cinza, despojadamente bela com seu estilo non sense. Seus olhos negros na ausência de luminosidade, e mel quando há luz, sobrancelhas marcantes para seu rosto suave, uma pinta preta do lado direito da face, próximo ao olho, cabelo castanho claro bem curto ao estilo Paris 68, uma madeixa que insiste em cair sobre seu olho direito, ela com a mão direita retira, lentamente, a madeixa sobre o olho - num gesto contemplativo. Continuo seguindo seu olhar na busca de descobrir onde ela se esconde em si. Lá se vai Marina, cruza a Paulista, rumo ao cinema para ver Nova York, Eu Te Amo. Isso não é um filme e não estamos em Nova York e não há amor nas esquinas, penso em Tadzio andando pelos becos de Veneza e dando de cara com os mortos de peste por todo lado. Marina fica como algo onírico fora do tempo e do espaço, desço a Augusta pensando em Caio Fernando tentando se esquivar dos buracos da angustia. Caio logo a frente sorri e me pergunta dos morangos, digo que mofaram e que as marquesas vivem encerradas em apartamentos assistindo ovos serem apunhalados nas esquinas ou, talvez, seja só o leiteiro lá fora. Lembro-me de um diálogo de Morte em Veneza: O belo não se constrói, ele simplesmente existe!
Assim como Marina.



Foto: Marina Arruda
http://www.flickr.com/photos/marinaarruda/

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Augusta em transe em transito


Dias líquidos, 06h40, segunda-feira, caí a primeira chuva da semana. Chuva? não, o que caí é um dilúvio, Poseidon lambe a Augusta, o pó dos que cairam é levado rua abaixo. O ritmo dodecafônico dos pingos que pingam pungentes em meu corpo, ouvido adentro. Café com conheque, cachimbo entre dentes. Enquanto caí a chuva, da sacada, sorvo gole a gole da xicara, entre um trago e outro e, em meio a fumaça, assisto as águas levando Augusta abaixo todos os sacos de lixo da calçada, desde a Paulista rumo à Roosevelt, a rua transforma-se em um rio de correntezas plásticas, sacos multicores trasnformam o asfalto em arco-íris, opondo-se ao negro do céu. Alguém desce do ônibos, em um dia líquido, lá se vai o guardachuva, destroído pelo vento, água até as canelas, correndo loucamente sob a chuva, certamente para a senzala diária. Horas depois, tarde de ar úmido, lá vou eu e Thaís na escadaria da Avanhandavá acima, eis que descem rolando, um sobre o outro, duas bolas de pêlo cinza-esgoto, mordendo uma à outra, emitindo sons sinistros, 200 lances ou mais de escada abaixo vão as ratazanas, mordendo uma à outra. Abstinência de crak, aos guinchos correm rumo a Paim. Abre-se uma nuvém vermelha e três ninfas nuas preparam-se para a rua, faz-se o cabelo e só vejo pernas, bundas, mamilos, seios, coxas caxos, a bandeja - da mais falsa prata - dança de mão em mão, foram-se s nuvéns brancas, ninfas nuas dançam esperando a madrugada. Mesmo não sendo parlapatão, desvendo a Roosevelt com luneta ao contrário, via a família brasil reunida sobre uma porção farta de restos, quando sentem-se em perigo correm às dezenas para a sarjeta, são tantos em cima de tantos, jogam-lhe gasolina, risca-se um bastão cilindrico, cimétrico, de cor madeira, em uma de suas duas pontas há uma superfície arredondada de cor rubra, fricciona-se está superfície sobre a lateral da caixa e jaz... Fez-se o fogo, lançou-se o bastão ao ar, rumo ao boeiro. Sob a praça escura pequenas estrelas até parece que flutuam velozes em todas as direções, tentando se livrar do corpo em chamas. Em poucos segundos  tudo volta a ser treva. Mugem por trás das colunas: não sobrará pedra sobre pedra, miro o túnel que perfura a praça, sobre o túnel há dois pavimentos de estacionamento, sobre o estacionamento há a parte térrea da praça e encima desta há a praça - tudo do mais puro concreto deteriorado. Do escuro-escuro grasna Garrastazu, a montanha de fezes quase a obstruir a entrada do túnel. Oh, pínico dos desvalidos. Que venha novamente dias líquidos e lave tudo, leve tudo. Leve... muito leve. No mesmo espaço, mas em outro tempo, noite de calor seco, das sacadas e janelas pululam os viventes, em frente vê-se, janela adentro, 3 belas, brancas e puras meninas da noite, nas em pêlos, poucos pêlos, o vento do ventilador entra coxas adentro refrescando seu sexo. A direita, na sacada, um violoncelo e partituras, sa dona, e que dona, alta e de carnas fartas, somente de calcinha vermelha e sutiã, tranquilamente sentada, absorta do calor ou possuída por ele. Vejo Baco na esquina pagando uma puta, ébrio de vinho e de vida.


Continua...
.
Foto: Carla Bispo

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Manhã líquida

O céu amanheceu líquido
café preto e conhaque
da sacada vê-se a enxorada
entre uma tragada e outra de cachimbo
Aposto qual saco de lixo descerá a Augusta primeiro,
O saco preto para no meio da rua,
o branco desce,
o preto estoura,
ficam apenas,
na via,
o resto do que não foi digerido

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Não o acordem! Ele é tão infeliz quando...


Era uma orelha grande, bem grande, verde limão, deitada tranquilamente na calçada, em uma tarde extremamente quente, ar seco, o sentimento de algo enroscado na garganta, sobre a calçada (Rua Alagoas e Sabará) a grande orelha, em seu interior algo se mexia, também grande e peludo, com a pele coberta de sujeiras. Parei a bicicleta e contemplei a cena: o sol de inverno furando entre as poucas folhas das árvores e desenhando na calçada pequenas abstrações de luz, em meio às abstrações uma enorme orelha verde limão, tão real e natural que penso que Magritte passou por aqui, suas nuvens de pedra flutuando no céu, as maças tão grande quanto o desejo de pecar. Penso em correr à farmácia mais próxima e comprar cotonetes imensos para livrar a orelha do intruso. "Não o acordem, não lhe preguem peças, Ele é tão infeliz quando não está dormindo", a orelha foi se metamorfoseando em cadeira de balanço, depois em caracol e por fim em útero. Ele no interior da orelha alheio a tudo e a todos, balançando docemente com braços e pernas contraídas contra o corpo, em posição fetal. Virando a orelha, serviria como casco-casa, mas a sua finalidade lúdica era criar um simulacro do útero, deixar o Ser e voltar ao Não-Ser. "ao lado da sua cabeça, há duas penas. Se eles as viu antes de adormecer talvez sonhe que é um pássaro e que voa...", isso é Prévert e seu burro, é outra história, talvez ele sonhe que ouve Satie e ouvindo Satie sonhe que é um mendigo e que dorme dentro de um orelhão caído na calçada numa tarde de inverno com sol e folhas secas na calçada, sem documentos, sem contas a pagar, nada a receber, sem casa, sem familia, sem nome, tão isento de laços como no seu primeiro dia de natimorto.


Tela: Libertação - HD Expressionista

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Onde andarás , Sol?

Sol
há semanas que telefono e ninguém atende, o céu está vazio? imaginei que tivesse acontecido algo, saiba que quando precisar o meu céu estará sempre ao teu inteiro dispor, eu pedi alforria há 2 semanas ou contra proposta de não está na cela aos sábados e domingos, afinal não vou ficar rico e tão pouco guardar dinheiro para comprar uma galáxia, um buraco negro, com o que ganho, Desejo ter os fins de semana "livres", Só obedecer a lei da física, da gravidade. Espero notícias sua.
Evoé....
Oi amigo...depois de um curto tempo sendo urso, estou quase a voltar pra esta porcaria de vida....quero poucos...te amo. Perdi o emprego o empenho...a casa..o Céu...o ar e os sentidos...há algum tempo...bien, fugi pro meio do nada...para o outro lado do buraco negro, ando por aqui, em uma galáxia chamada Satieando...nada, rien de rien...apesar da locura, tenho um pouco de amor que ainda me lembro...vc...riso doído e doido... sarcarmo... me entendes, sei... quando der, escreves... te quero, beijos.
Sol
Sol, onde andas... andas bem?...acaso suas (nossas) partes estão espalhadas... só não sabemos onde? Confesso que já deixei de sentir a muito tempo, às vezes até ensaio algum sentimento, não duram muito, chegam a parecer uma dissimulação de sentimento, até o desejo é dissimulado... desejo de vida, de Céu, também... um eterno devir, um devir de dignidade, um devir de desejos, um de realização, um de amor, um de amigos. Sim, desejo ser “Deus”, mas no sentido de Ser-Criador, completo, não baniria Sol, Luas ou qualquer outro planeta ou estrela. E esse desejo do outro como se não nos bastássemos? Ce la vie! Quanto a moçoila mencionada, uma pessoa ímpar, atriz ou aspirante ou sempre foi e é ou está sendo atriz, confesso que lê muito bem... embala minhas tarde deitado na rede, abraçado ao seu corpo – magérrimo – às vezes me pego pensando em como posso achar atraente e sensual aquele corpo tão esguio, o todo é que a torna sensual. Ela lê, eu abraço seu corpo, chego a sentir seus ossos em meus dedos, desejo de apertá-la até sentir seus ossos estalarem... às vezes, quando ela lê, ouço a sua voz, seu calor de Sol, saindo dos lábios dela. Chego a acreditar que é você quem lê para mim, Sinto seu doce calor de fim de tarde. Outras vezes ela é a nossa antiga Estrela – perfeita – irônica, mas com um desbunde interessante, outras vezes ela me parece uma outra Estrela ou seria uma Nebulosa serelepe, fala muito, divaga, teria necessidade de tentar chocar, “coisas de artistas”. Confesso que o fato de desejá-la me tira dos eixos, olha que nunca tive eixos fixos, sendo assim fica pior ou não. Desejo o que brilha, Não quero a Lua que brilha com luz emprestada, por falar em lua está noite ela estava tão cheia que pensei que fosse estourar. Continuo adorando Plutão, rebaixado a categoria de pedra boiando no Universo.
Estou em casa ouvindo Wish you were, pensando em você, conversando com você: Vamos - agora - tomar um café no cinema da Augusta, você me conta uma novidade... diz que foi à Lua e comprou uma casa lá, eu penso em como deve ser bonita a superfície estério da lua, então saímos correndo do cinema para comprar algodão doce, dou a você balões de gás de cores diversas, atravessamos a Paulista de ponta a ponta plantando bananeira, rindo de tudo.
Sol, te amo à minha maneira, é a única que conheço. Mais sincera.

Evoé...
Sol
Não deu mais sinal de fumaça, como está? Aqui estou em "alforria" breve, lendo, bebendo, fumando e passeando, pedalando pela cidade, do festival de curta te recomendo: Dança macabra, O filme mais vilento do mundo, Shkhizen, Bigband...entre tudo isso estou eu... tentando seduzir e ser seduzido por uma interessante Fagulha que ousa ser, fazer-se Estrela, vejamos no que dá...se dá...mas conte-me de ti.
Um beijo no Céu da boca.....o Sol anda ausente há dias.....quando volta?

Evoé...
Sol
Como assim, alforria... bien, sei que encontrarás uma linda centelha pra ti...sabes bem enxergar Estrelas quando brotam, és lindo. Não sei ainda quando volto, vou dar uma volta... uma rotação, uma translação... ando tão cheia de dores na alma, meu amor... tantos medos e terrores da vida... só sei que gosto de algumas pessoas ainda e amo você... de verdade... me conte mais, sempre mais... não me deixes... ainda. Te amo, meu lindo Exu.

Teu Sol
Ai como é bom saber de você meu amor. Ontem sonhei contigo....eu amo você, de verdade, sabes disso que sei. Estou a me recuperar, meu amor, decidindo algumas coisas da vida, pra ver se ainda vale a pena qualquer tentativa de sedução pra um Sol devasso... quero saber de você, me diga já, obteve resposta do cárcere? Ficarás fora dos grilhões nos fins de séculos ou será rua mesmo... me conte por favor. Saiba que és amado por mim, a minha maneira, mas és e muito, beijo meu lindo Exu.


Fotografia: Adriano Vanni

http://www.flickr.com/photos/apinheiro/3800284315/

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

E a boca falou: Eu sou...


Manhã tranquila, a boca em pleno silêncio durante horas. Silêncio quebrado, uma sentença curta e audíveo: "Eu sou Madame Butterfly", desde então ela passou a se autonomear assim, Madame Butterfly. Passou o resto do dia a se fazer perguntar e dar respostas ou quase isso.

Nada tenha em suas casas cujas utilidades desconheça ou cuja beleza não acredite!

Lembre-se de que um quadro, antes de ser um nu, uma anedota, ou qualquer outra coisa, é essencialmente uma superfície plana coberta de cores dispostas em uma certa ordem?!

As cores se tornaram cargas de dinamite. Elas deveriam explodir em luzes. Tudo poderia ser elevado acima do real?!

Todo aquele que, com integridade e autenticidade, transmite aquilo que o impulsiona à criação, pertence a nós!?

O que precisamos de fato é de uma arte que exprima o espírito das pessoas de hoje?!

A verdade está além de qualquer realismo e a aparência das coisas não deveria ser confundida com sua essência!?

Declaramos que os gênios de nossos dias são: calça, paletó, espetáculos, bondes, ônibus, aeroplanos, estradas de ferro, navios magníficos - que encanto!

O bom é que não se consegue e provavelmente não se deve entender?!



Tela: Beijo Roubado - Otavio Bitencourt

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Eu é que sei




A boca logo cedo sussurrava uma refrão: "Eu é que sei!", "Only this and nothing more". Eu lhe pergunto: É só isso e nada mais? Vejo uma duzia de ratos alados cruzarem a janela e pousarem sobre o casarão de 1913, em ruínas! é uma prova que a lei da gravidade nem sempre é exata.





Eu é que sei

Não sorria para mim, imbecil.
Não necessito do sorriso desbotado dessa
sua cara de palhaço sem emprego.
Não precisa viver se enganando
nem tentar me fazer viver enganado também.
Eu é que sei o quanto são boas as suas
intensões. Mas em que
o consolo de um infeliz desconsolado
poderia me ser útil?
Eu é que sei!
Eu é que sei deste nó carioca do caralho
dado em minha garganta!
Eu é que sei, tá!
Eu é que sei desta dor filha da puta que
esgarça os esparadrapos e futuca
meus machucados que nunca saram!
Eu é que sei, porra!!!
Eu é que sei o quanto as ratazanas
desse imenso esgoto
me roem roem roem roem roem
Eu é que sei!
Eu é que sei, por saber das coisas que me
fazem mal,
o que fará bem - ou não - pra mim!
Somente eu, eu é que sei o que preciso
pra ficar legal!
E o que eu preciso... o que eu preciso,
enfim...
Preciso da solidão,
Companheira nas agitadas e imundas ruas
dessa cidade.
Preciso é da alegria suicida
de cada pingo que pinga pungente
dessa chuva tão fria...
de água ardente!
Preciso é de um porre da confortante e mel-
odiosa música depressiva de Bauhaus!

A boca só parou de falar quando o texto chegou ao fim, de quando em quando ainda a ouço sussurrar: "Eu é que sei", pergunto de boca aberta de quem é o texto, a boca de boca fechada sorri, Luciano Dias Soares, como ele mesmo diz: "escreve pelo prazer de manipular a palavra e ter o que dizer".

Tela: HD Expressionista

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Deve-me sua cabeça

O que saí da sua boca, por onde entra?

Pedi-lhe a cabeça, o que me deste? a boca. Boca não é cabeça, não que não deseje a boca, desejo! a boca, língua, saliva. Mas cabeça é algo mais vasto, tem cabelos, olhos, nariz, orelhas e boca também, enfim deu-me apenas a boca. Não chega a ser boca, é apenas a arcada dentária. Quando me presenteou, pensei: só falta falar! não falta mais, já fala, diz coisas absurdas, fala sobre os bolinhos de marte, diz que tem um jardim de margaridas anãs, eu lhe falo sobre a Liga dos AnarcoFascitas Cegos, Ela diz que gosta de Alvares de Campos por ser visceral, Eu falo sobre Caeiro pensando em Satie, juntos dançamos pela casa, levo você à janela, juntos olhamos a chuva cair, cai bem fraca, no horizonte parece que o céu evapora sobre a cidade, na Augusta carros descem, sobem. Pessoas caminham retraídas por causa do frio e da chuva fina. Um skat desce a Augusta, sobre o skat um jovem de cabelos longos e braços abertos, seu corpo se curva sobre o skat e ele desce em ziguezague de braços abertos Augusta abaixo, lá embaixo mal se vê a bandeira sobre o prédio do ex-banespa sacudindo ao vento. Eu, aqui encima, com a boca na mão olhando a cidade. Boca não vê, apenas fala, passo o resto da tarde ouvindo a boca falar, cantar, sorrir.

domingo, 23 de agosto de 2009

Cenas de domingo


Eu sobre o viaduto Santa Ifigênia, visão do alto, eles sob o viaduto. Dois túneis batizados de Papa João Paulo II, deles um infinito entra e saí de carros. Eu, visão do alto, vi primeiro um, em seguida o outro, eles agachados, calças arriadas, defecam tranquilamente. Ao meu lado, pai, mãe e filho, o que fazem, pergunta o filho? responde-lhe o sábio pai: "cagam quenem cachorro". Assim pai mãe filho cruzam o viaduto e tronam-se invisíveis na esquina. Eu, do alto, penso no nome dos burrocos: João Paulo II, vejo a mão de um dos que agachado cagava, a mão vasculha entre sacos de plástico, grama e capim, por fim um fino pedaço de algo entre o papel e o pano, sua mão dirije-se ao cu, bruscos movimentos da mão que tenta, de alguma forma, se livar do resto das fezes entre as nádegas. Pronto! feito! calças erguidas, os dois terminam de defecar ao ar livre, numa manhã fria de inverno, em pleno Vale do Anhangabaú, sob o viaduto Santa Ifigência, juntos e caminham em busca do café da manhã. Tocam os sinos do Mosteiro São Bento, penso na hóstia, no cálice de vinho, um sabor acre paira no ar.


Tela de HD Expressionista

Manhã de domingo com chuva



O que saí da sua boca, entra por onde?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Satieando

Na rosa-dos-ventos uma leve brisa úmida
no céu montalhas compactas de nuvens cinzas
Em circulos crescentes, planam, na brisa, os urubus
Sob a água turva flutuam cisnes brancos negros
Na grama verde, negros urubus bailam como se a ouvissem Satie

Tarde de inverno com chuva


Madame Butterfly

Abri o guardachuva,
Sorri
e um olho quase

quebrou

meu dente!
Ah! e ele, o olho, me repete,
balangando,
que te amo!
E melhor,
É verdade!



Foto: HD Expressionista

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

E o pensamento multicor de Rimbaud


Entrelace de pernas

...........................................Brancas

................Rosa

de mamilos expostos


..................................cabelo cabal

Preto

.............contorna silhueta

...........................Pálida

........................................face
Faz-se fêmea frenética



J. Roberto